Ladrões
Apesar do aviso de Rários Eldor sentia que tinha encontrado a sua hipótese de falar com Denor. Tudo o que precisava era de falar com Iliria e explicar-lhe que tinha de falar ele por causa de seu pai, de lhe falar da forma como ele tinha morrido e das suas últimas palavras. Se ela tinha de facto amado o seu pai não iria recusar o seu último pedido, mesmo que isso fosse contra as suas regras. O seu pai sempre lhe dissera que o amor derruba todas as barreiras, e Eldor tinha de contar com isso se alguma vez queria cumprir a sua promessa e satisfazer as suas questões. Mas primeiro, tinha de chegar ao acampamento dos Sombra. – No dia em que ele desapareceu ela sofreu ainda mais que o Denor. Ela não tinha mais que quinze anos, mas gostava mais dele do que qualquer outra coisa. Ele via-a como uma irmã mas ela sempre o viu como mais que um irmão, e foi por causa disso que ela o procurou durante meses quando ele desapareceu. Mas não penses que vai ser fácil. Ela não deixa que ninguém se aproxime do Gaio-Azul, nem para lhe lavar a roupa. O sorriso que surgiu nos lábios de Rários e forma como disse “gostava” disseram a Eldor que ela o via como mais que um amigo. Isso era bom. Se ela tivesse tido uma forte relação com o seu pai era muito mais provável que ela o deixasse falar com Denor, principalmente se ele era assim tão parecido com ele como as pessoas afirmação. – Existem vários líderes, mas os principais são a Iliria e o Dérius. O Dérius é um velho amigo de Denor e do teu pai, um dos melhores ladrões dos Sombra e com mais conhecimentos de Oleth. Ele não toma muitas decisões, mas tem uma grande influência. A Iliria é… complicada. Ele é uma inteligente e graças a ela conseguimos grandes vitorias, mas ela é dura, principalmente com o Denor. É ela que decide quem o vê e quando, e muito provavelmente é ela que vai decidir se o vês. E isso não é completamente mau. Ela conhecia o teu pai, e gostava dele. – Quem são os outros líderes? – Perguntou Eldor tentando descobrir quem teria de convencer para poder ver Denor. Quando mais soubesse sobre eles mais hipóteses teria de os convencer a deixá-lo ver Denor, mesmo que fossem poucas, e Eldor pretendia usar todas as informações que conseguisse arrancar a Rários para o fazer. – Sim, desde que fundou os Sombra. Com o crescimento da organização surgiram outros líderes, mas ele sempre foi o líder absoluto. Com o passar dos anos ele começou a ser cada vez mais procurado por Oleth, e é por causa disso que agora só algumas pessoas é que falam directamente com ele. A maior parte das pessoas nem conhecem a sua cara. Vais ter dificuldade em falar com ele, mas como és filho do Galaeth isso pode ser possível. – Ele sempre foi o “Gaio-Azul”? Como era possível que o seu pai nunca lhe tivesse falado de uma pessoa tão importante na sua vida? E porque é que ele tinha desaparecido sem mais nem menos? Eldor tinha de encontrar Denor o mais rapidamente possível, tinha de descobrir a resposta a todas as perguntas que torturavam a sua mente. – Há quinze anos, mais ou menos. O Denor começou a juntar pessoas que lutassem com ele contra o governo de Oleth há quase vinte anos, mas só formou os Sombra há quinze. Muita gente diz que o Denor formou os Sombra por causa do teu pai ter desaparecido, e que se ele tivesse ficado muito provavelmente eles não existiam. O teu pai ‘tava-se sempre a meter em problemas e o Denor tinha de o ‘tar sempre a salvar, mas quando ele desapareceu o Denor andou muito tempo perdido, sem saber o que fazer. A luta contra o governo foi a única coisa que trouxe algum significado à sua vida… – Há quanto tempo é que existem os Sombra? Denor parecia mais que um ladrão, parecia um grande líder, não só pelas suas campanhas contra a cidade mas pela forma como reunia seguidores. Druila e Grarla tinham o mesmo brilho no olhar, um brilho que os enchia de orgulho e lhes levantava a cabeça. Estes homens estavam longe de serem simples ladrões. – O Denor? – Perguntou Rários surpreendido com a pergunta. – Ele é… o nosso líder. O Gaio-Azul. O melhor ladrão de Oleth. O criador dos Sombra. Enfim, um dos poucos que ainda se preocupa verdadeiramente com a cidade e com o povo. – Um brilho de orgulho surgiu nos olhos de Rários enquanto ele falava, um brilho que Eldor desconfiou existir em todos os membros do Sombra. – Se o povo decidisse ele muito provavelmente estaria a governar a cidade, mas como não decide, temos de passar os nossos dias a roubar o que eles nos roubam. E ao longo dos anos o Gaio-Azul já roubou o suficiente para erguer uma cidade, mas mesmo assim a luta não parece ter fim… – Ele nunca me falou de nada disso. Nem de Denor. Como é ele? – Sim era. Lamento que tenhas de descobrir assim. Acho que ele nunca quis que tu viesses a descobrir… – O meu pai era mesmo um ladrão, não era? – Perguntou Eldor tristemente. – Não há problema, só prova que és filho do Galaeth. Se eu lhe tivesse dito as coisas que te disse, tinha recebido uma faca nas costelas, pelo menos. – Respondeu Rários com um sorriso, não parecendo minimamente ressentido com as palavras de Eldor. O homem de olhos azul-gelo era muito mais frio do que Eldor esperava, muito provavelmente devido à vida que levava. Rários parecia o tipo de homem que sorriria perante um Dorthul e lhe dizia para esperar alguns minutos antes de levar a sua alma, sem sequer pestanejar. – Peço desculpa pela forma como reagi… – Disse Eldor hesitantemente atraindo o olhar de Rários. Avançando novamente pela estrada ao lado de Rários, Eldor forçou-se a silenciar as questões que fervilhavam na sua mente e a concentrar-se naquilo que tinha pela frente. Elas poderiam rebentar quando encontrasse Denor. Por agora tinha de pensar como o encontraria no meio de um acampamento cheio de ladrões que muito provavelmente dariam as suas vidas para o protegerem, para protegerem o Gaio-Azul. Tinha de conseguir descobrir o máximo possível antes de pisar o acampamento, apesar de Eldor antecipar que os três homens pouco mais diriam para além do nome da organização. Tudo o que conseguisse descobrir seria uma vitória. Rários passou por Eldor e juntou-se aos dois homens que o fitavam severamente. Só agora Eldor se apercebia a fúria que estes continham e da forma como eles apertavam o cabo da suas espadas, percebendo que por muito pouco não tinha sido perfurado por estas. Eldor surpreendia-se também como tinha mantido frieza suficientemente para não desembainhar a sua espada, certo de que se o tivesse feito poderia tudo ter terminado de forma muito diferente. – Anda, já não estamos longe do acampamento… Eldor abria a boca sem saber o que pensar das palavras de Rários. Porque razão teria o seu pai desaparecido assim sem mais nem menos? Porque teria o seu pai inventado uma vida inteira que depois quis esquecer? E a vida que teve em Oleth, porque é que nunca lhe falara desses tempos? Mesmo que tivessem sido tempos maus em que ele tivesse feito coisas que se arrependesse, de certeza que guardaria muitas memórias boas desse tempo. Mas se esses fossem tempos maus e ele os esqueceu, o que é que aconteceu depois para ele inventar uma vida diferente? A sua cabeça palpitava com demasiadas questões e dúvidas para que Eldor as conseguisse sequer organizar, e a única certeza no meio de todas elas era que tinha de encontrar Denor. Só ele lhe poderia dizer o que ele queria saber. – Sim. Ele um dia simplesmente desapareceu da cidade. Ninguém sabia para onde ele tinha ido, nem mesmo o Denor, e nunca mais o vimos ou ouvimos falar dele. Muitas pessoas pensavam que ele tinha morrido ou sido apanhado pelos guardas, mas a verdade é que ele nunca mais apareceu… – Desapareceu?! – Perguntou Eldor confusamente. – Ele era… Ele trabalhava com o Denor no bairro de Laman quando os conheci. Mas não sei o que lhe aconteceu depois de desaparecer. Talvez ele tivesse mesmo ido para o exército. – Rários sorriu novamente ao pronunciar aquelas palavras, parecendo não acreditar naquilo que estava a dizer. No entanto isso não fez qualquer diferença a Eldor, pois outra coisa nas suas palavras captara a sua atenção. Eldor tinha ouvido aquelas palavras demasiadas vezes para as poder esquecer, e ouvi-las de Rários apenas reforçou os seus medos. – Ele foi… um ladrão? – A pergunta era mais uma afirmação, uma relutante afirmação, à qual Rários respondeu com um severo olhar. – Vejo que o teu pai não te contou nada disto… – Começou Rários enquanto concertava o seu colete, aparentemente nada incomodado com o que acabara de acontecer – Não o culpo, se eu tivesse filhos nunca lhes contaria sobre o que faço. É uma vida que não desejo a ninguém, em que ninguém ganha nada… Eldor largou o colete de Rários e este caiu de imediato até o seu olhar ficar ao nível dos seus ombros. Ele tinha descrito de forma perfeita a cicatriz de seu pai, Eldor lembrava-se perfeitamente dos pontos que desenhavam o semicírculo na sua perna e Rários parecia lembrar-se deles da mesma forma. As palavras de seu pai ecoaram outra vez na sua mente, Não fui soldado de qualquer reino, e todas as dúvidas que o atormentavam há dias voltaram a encher a sua cabeça. Mas mesmo que isso fosse verdade Eldor não podia acreditar que ele tinha sido um ladrão, não depois de todas as coisas que ele lhe ensinou, não quando roubar era a coisa que mais desprezava. Talvez fosse por isso que ele desprezava tanto…, pensou Eldor horrorizadamente. – A cicatriz é na perna esquerda não é? Logo acima do joelho? – A cara de Eldor abriu-se de espanto, mas Rários continuou a falar como se ele o tivesse confirmado – Essa cicatriz não foi feita por um Kriloss, foi feita por um cão de guarda de uma casa que ele e o Denor tentaram roubar. Eu sei porque estava lá. Eu vi com os meus próprios olhos os dentes marcados na sua pele. As palavras de Eldor pareceram animar ainda mais Rários, que parecendo não se preocupar que os seus pés não tocassem no chão soltou uma nova gargalhada. A fúria que invadira Eldor foi momentaneamente silenciada e o seu lugar substituído por incredulidade e percepção. Só agora Eldor percebia da força que fazia para erguer Rários, mas ainda não estava disposto a pousá-lo no chão, não enquanto ele mantivesse aquele arrogante sorriso. Porque é que ele se continua a rir?! Maldito sejas, pára de te rir! – O meu pai não é um ladrão! Nunca foi um ladrão! – Eldor gritava com Rários mesmo que a sua face esteve a pouco mais de um palmo da sua – Esta espada foi-lhe dada por um nobre depois de ele o ter salvo de um bando de Kriloss. Eu tenho a certeza disso! Ele tem uma cicatriz na perna dessa batalha. Os dois companheiros de Rários não estavam tão tranquilos como este, e assim que o viram a saltar da estrada e colidir com o espesso tronco do pinheiro desembainharam as suas espadas. Contudo Rários acenou-lhes que guardassem as espadas continuando a olhar para Eldor com uma alegre expressão, como se estivessem a ter uma conversa perfeitamente normal. Eldor descarregou toda a fúria que vinha a acumular. As gargalhadas de Rários e dos dois homens quebraram a barreira que impedia Eldor de explodir, e antes que este se desse conta do que tinha acontecido empurrava Rários contra um pinheiro com ambas as mãos envoltas no seu colete. Eldor era mais alto e mais forte que ele e erguia-o do chão como se fosse uma criança, mas este mantinha-se tranquilo de olhos azul-gelo fixos nos seus. A sua serenidade alastrava-se até um curto sorriso que este irritava ainda mais Eldor, que cerrava os dentes com a mesma fúria que lhe tornava os nós dos dedos brancos. – Essa espada era do teu pai? – Perguntou Rários apontando para a espada no flanco de Eldor, e perante o seu silêncio assumiu que a resposta fosse positiva – Ela parece valiosa. Onde é que ele a arranjou? Roubou-a a um nobre quando esteve neste exército? – Oh oh! – Os dois homens ao lado de Rários olhavam para este com animadas expressões, parecendo bastante divertidos com a forma como Eldor reagia às suas palavras. O próprio Rários sorria perante a reacção, mas Eldor não estava a achar piada nenhuma a conversa, e as suas mãos ameaçavam desembainhar a espada à mínima provocação. – O meu pai juntou-se ao exército! Ele foi o melhor guerreiro que alguma vez conheci, e ensinou-me tudo o que sei com esta espada. – Eldor apertou o cabo da espada no seu flanco esquerdo por pouco não a desembainhando – Se lutasses contra ele eu é que apostaria que não durarias mais que dois segundos! Os lábios de Eldor reduziram-se a uma curta linha e sem que se apercebesse as suas mãos fecharam-se em dois furiosos punhos. O homem que Rários descrevera não era o seu pai, não era o homem generoso e honrado que o criara e lhe ensinara a respeitar todas as coisas vivas e ajudar o próximo. Talvez Rários tivesse de facto conhecido outro Galaeth, e tudo aquilo tivesse sido uma horrível coincidência. – Desculpa mas isso é impossível. O Galaeth que eu conheci nunca se juntaria ao exército. Ele odiava o exército, odiava qualquer tipo de regras e leis e todos os que as cumpriam. Ele fazia as coisas da maneira que queria e nunca obedecia a ninguém, e se ele se juntasse ao exército seria expulso passado dois dias. Deuses, passado duas horas! – O sorriso de Rários pareceu alargar-se ainda mais, da mesma forma que a fúria de Eldor. – Para além disso ele não sabia lutar. Se eu tivesse de apostar numa luta dele apostaria no tempo que ele demorava a perder. Sempre que ele pegava numa espada acabava por ferir tantos inimigos como amigos, e na maior parte das vezes ele próprio. ‘Tás me a dizer que este homem era capaz de se juntar a algum exército? Rários soltou mais uma gargalhada, esta acompanhada com longos sorrisos dos outros dois homens que pareciam contagiados pela sua alegria. Eldor por seu lado sentia-se cada vez mais irritado. – Sim, no exército! Ele serviu dois anos no segundo batalhão de infantaria de Teloneth, e sob as ordens do Rei Barovic. Eldor olhou para Rários sentindo de novo uma forte irritação a acumular-se no fundo da sua mente, e assim que este parou de se rir respondeu rapidamente. – O Galaeth?! No exército?! Não pode ser. Não devemos estar a falar da mesma pessoa! – Amm… Depois de ele sair do exército e conhecer a minha mãe… – Começou Eldor hesitantemente, mas antes que pudesse avançar muito mais uma enorme risada explodiu do seu lado direito. – A última vez que vi o Galaeth foi… há mais de vinte anos se não me engano. O que ele andou a fazer durante este tempo todo? A sua reacção pareceu satisfazer Rários que durante alguns minutos nada mais disse, concentrando a sua atenção na estrada que serpenteava pelos silenciosos bosques. A tarde progredia lentamente em direcção à fria noite de Nargras de Gorgoth Sul, mas ainda restavam algumas horas do sol pré primaveril. Um onda de nervosismo aumentava à medida que se aproximava do acampamento, e muitas questões e dúvidas invadiam a sua mente, questões que teria de satisfazer antes de encontrar a organização de ladrões. Mas antes que pudesse verbalizar algumas destas, Rários voltou a falar. Eldor retribuiu o discurso de Rários com um curto sorriso e um aceno, não porque compreendia o que ele queria dizer mas para o tranquilizar e impedir de continuar a falar de seu pai. Tal como ele tinha dito aquilo que precisava era de esquecer o assunto, fechar as memórias num longínquo canto da sua mente onde não o pudessem perturbar. Se não o fizesse não seria capaz de cumprir os últimos pedidos de seu pai e nunca seria capaz de fazer o que era preciso para o vingar. Por momentos uma onda de fúria contraiu as suas sobrancelhas ao lembrar-se dos drugraks. – Três dias?! – O rosto de Rários abriu-se em absoluta surpresa. – Eu… não esperava que tivesse sido há tão pouco tempo… Nem imagino como te deves ‘tar a sentir… – Rários parecia sofrer tanto com a morte de Galaeth como pela forma com isso deveria afectar Eldor – Eu tive um cão que morreu há dois anos. Ele era castanho e tinha um pelo tão áspero como uma vassoura, mas era o animal mais alegre que alguma vez conheci. Às vezes quase o conseguia ver a sorrir quando ele me via. – Eldor olhou para Rários e questionou-se onde é que ele queria chegar, embora tivesse alguma ideia. Era algo que já tinha visto anteriormente, quando alguém morria as pessoas tentavam sempre animar os que mais sofriam ou faze-los esquecer a dor, sempre de uma maneira estranha e diferente. A morte é algo com a qual ninguém sabe lidar e ninguém deveria ter de lidar, e é por isso que quando ela surge ninguém sabe como se deve reagir. Todas as pessoas têm a sua visão da morte, da forma como ela deve ser enfrentada e como deve ser ultrapassada, mesmo que ninguém saiba ao certo qual a maneira correcta de o fazer. Eldor apenas desejava esquecer. – No dia em que ele morreu acho que uma parte de mim morreu com ele, mas não me deixei abalar e segui em frente. Não podemos viver no passado, temos de levantar o olhos e enfrentar o futuro com tudo o que podemos, se não nunca voltaremos a ser felizes. – Há três dias. Eldor sentiu alguma satisfação em Rários não lhe ter perguntado como o seu pai morrera, pois a última de que se queria recordar era dos malditos drugraks. Um dia eles pagariam pelo que fizeram, todos eles, mas agora não era o momento para pensar nisso. Se o fizesse, o turbilhão de emoções que se seguiria poderia ser demasiado grande para Eldor conter. – Eu… lamento imenso ouvir isso. Ele era um bom amigo… – Os olhos verdes de Eldor voltaram-se para Rários, encontrando no seu rosto um esforçado sorriso que falhava em máscara a dor que o contorcia. – Como…? Não, isso não é importante… Há quanto tempo? Rários baixou a cabeça ao ouvir as palavras de Eldor, invertendo o seu sorriso numa dolorosa expressão. Durante alguns segundos nada conseguiu dizer parecendo recordar Galaeth com tanta emoção quanto Eldor, fixando distraidamente o seu olhar nas pedras que cobriam a estrada. Quando finalmente conseguiu reunir força suficiente para encarar Eldor os seus olhos tinham um doloroso brilho, e ao falar a sua voz soou seca como se tivesse atravessado um deserto sem beber uma gota de água. – Ele… Ele morreu… – Forçou-se Eldor a responder, mais de forma a afastar os poderosos olhos de Rários. O seu olhar parecia tornar tudo mais doloroso. Apesar do sorriso de Rários, Eldor não sentiu qualquer felicidade dentro de si ao ouvir a sua pergunta. Emoções que até então tinham estado enterradas no fundo do seu coração, como um triste murmúrio demasiado longínquo para se poder ouvir, desabaram com uma avalancha sobre si. Uma dor inimaginávelmente poderosa apertou o seu peito até que cada suspiro se tornasse infinitamente penoso, ao mesmo tempo que imagens que Eldor se esforçara por apagar assombravam a sua mente. O seu pai deitado numa poça de sangue negro; deitado na sua cama enquanto a febre apagava tudo o que o definia; as suas últimas palavras, pronunciadas tão dolorosamente como Eldor as recebera. Mesmo tendo passado já três dias Eldor lembrava-se de tudo tão vividamente como se estivesse a acontecer naquele instante. – Mas devo dizer que és a última pessoa que esperava encontrar. Eu nem sabia que o Galaeth tinha um filho! – O olhar de Rários encheu-se com um emotivo brilho à medida que falava e olhava para Eldor – Já não o vejo há tantos anos que acho que já não era capaz de o reconhecer. A não ser que tu estivesses com ele, vocês são iguais! Como está ele? Eldor dirigiu-lhes um curto aceno de cabeça e recebeu um ameaçador olhar que decidiu aceitar como um cumprimento. Dificilmente receberia muito mais dos dois irritados homens, e era melhor aceitar o que lhe era dado do que procurar o que merecia. – Desculpa aquilo lá atrás. Se soubesse quem eras nunca te tinha apontado a minha espada. – Disse Rários voltando-se para Eldor com um curto sorriso. Eldor apenas gesticulou que não havia qualquer problema, embora pensasse que deveria ser ele a pedir-lhe desculpa. O corte no sobrolho esquerdo de Rários parara de sangrar e este parecia nem o sentir, apesar era um corte profundo que provavelmente deixaria uma cicatriz. – Este é o Grarla e aquele é o Druila. – Mas vocês podem ‘tar calados! Não nos vai acontecer nada. Ainda temos muito tempo para enviar a mensagem, e não se preocupem com a Iliria que dela trato eu. – Disse Rários irritadamente silenciando os dois homens. Os seus olhares fixaram-se de imediato na terra arenosa da estrada sem mais um protesto. – A Iliria vai cortar-nos aos pedaços e dar-nos aos cães quando souber… – Disse Grarla nervosamente. – Então e a mensagem Rários? Não podemos voltar sem a enviar… – Perguntou o homem de barbas negras sem se preocupar se Eldor ouvia. Eldor mantinha o seu olhar fixo na estrada à sua frente esforçando-se por ignorar a sua conversa. Eldor seguiu Rários colocando-se do seu lado esquerdo, de forma a que o homem de olhos azul-gelo ficasse entre ele e os seus companheiros, enquanto contornavam o arbusto e seguiam a estrada para Norte. Assim que começaram a caminhar em direcção ao acampamento dos Sombra os outros dois homens começaram de imediato a protestar com Rários, mas desta vez não por causa da presença de Eldor. Relaxando a tensão que lhe comprimia os ombros, Eldor guardou a espada na nívea bainha metálica que segurava na mão esquerda. A manta que a envolvera foi para dentro da sacola, pois Eldor não tinha qualquer intenção de esconder a espada nas suas costas, por muito arriscado que isso pudesse ser. Nada lhe garantia que podia confiar nos três homens mesmo que Rários lhe sorrisse afavelmente, pois para além deste os outros dois homens apertavam o cabo das suas espadas ansiosamente. Se as coisas corressem mal queria estar preparado, e tendo em conta o seu destino era muito provável que corressem. Os seus guias continuavam a lançar gananciosos olhares à espada, mesmo Rários, e Eldor antecipava já que dezenas se juntassem a eles assim que chegasse ao acampamento. – O acampamento não fica muito longe. Anda, nós levamos-te até lá. Apesar do sorriso de Rários a tensão mantinha-se entre os seus companheiros e Eldor, não parecendo nenhum particularmente interessado em guardar a sua espada. Rários tomou a iniciativa com curtos olhares para os outros homens, e estes rapidamente seguiram o seu exemplo sem no entanto abandonarem as suas revoltadas expressões. Nenhum deles parecia muito agradado com a decisão de Rários, mas este não lhes dava qualquer importância, sorrindo para Eldor enquanto se voltava para Norte. A resposta de Eldor veio com um curto sorriso que Rários rapidamente reflectiu. Os outros dois homens olhavam tanto para si como para Rários com furiosas expressões, mas Eldor não estava preocupado com isso. Rários parecia ser o seu líder, e se houvesse alguma honra entre ladrões eles não lhe desobedeceriam. De qualquer forma só precisava da sua confiança até ao acampamento dos Sombra, mas agora que pensava para onde se dirigia começava a ter dúvidas do seu plano. Talvez a melhor opção não fosse entrar num acampamento cheio de ladrões com uma espada tão valiosa como a de seu pai, pois o mais provável era que conseguisse uma faca nas costas ou uma garganta fatiada, com ou sem a protecção de Rários. Mas era a única hipótese. Era no acampamento que se encontrava Denor, e tinha de fazer tudo o que pudesse para o encontrar. Irei encontrá-lo pai! Tal como prometi. – Obrigado. – Posso-te levar até ao acampamento dos Sombra. Não te posso garantir que fales com Denor, mas posso-te levar a um dos seus homens de confiança… – Continuou Rários num sereno tom apesar dos revoltados protestos dos outros homens. Os olhos negros de Rários recaíram sobre Eldor demonstrando uma humildade que ele não esperava. A sua espada permanecia na sua mão direita da mesma forma que os três homens mantinham as suas desembainhadas, mas pela primeira vez Eldor sentiu que elas já não seriam precisas. As palavras de Rários continham uma imensa emoção, e apesar dos protestos dos outros homens ele parecia querer levar Eldor até Denor, por muito difícil que fosse. Rários parecia de facto ter conhecido o seu pai, e este aparentemente deixara a sua marca no homem de olhos azul-gelo. – Não se preocupem, ele é só um miúdo! Acham que ele consegue fugir do acampamento?! Se ele pensar sequer em se mexer um centímetro a mais daquilo que nós dissermos, terá imediatamente dezenas de facas encostadas à sua goela. – Rários voltou o seu olhar para Eldor, refreando a dureza da sua voz e falando-lhe calmamente. – Para além disso, se ele for mesmo filho do Galaeth, sinto-me obrigado. O Galaeth salvou-me mais vezes daquelas que consigo contar, e nunca foi capaz de retribuir o que ele me deu… A sua reacção pareceu acordar Rários que o olhou furiosamente antes de se pronunciar. O seu olhar pareceu congelar o homem de barbas negras que inconscientemente deu um passo atrás. Era possível que Rários ocupasse uma posição mais elevada que os outros dois homens pelo que Eldor tinha visto, mas segundo parecia esse argumento muito raramente era utilizado. O olhar de Rários era capaz de congelar a chama de uma vela. – Ele pode ser um espião da guarda! Ele contar aqueles cabrões onde fica o acampamento! Não podes fazer isto Rários! – Gritou o homem de barbas negras mais enervado do que Eldor esperava. – Rários, nã podemos! – Disse Grarla furiosamente cuspindo espessas gotas de saliva na direcção de Rários. Os dois homens ao lado de Rários dirigiram-lhe furiosos olhares, tão penetrantes que Eldor esperou que a qualquer momento as suas espadas se erguessem na direcção dele. O próprio Rários parecia duvidar das suas palavras, ostentando uma negra expressão no seu rosto, e foi só por isso que Eldor não sorriu de satisfação. – Penso… que te podemos levar até ao acampamento dos Sombra… O homem de barbas negras manteve a rigidez da sua expressão. Rários ergueu lentamente o olhar para Eldor, e ao ver o desespero que o marcava, olhou momentaneamente para os seus dois companheiros apreensivamente. O homem de olhos azul-gelo parecia procurar uma forma de aceitar o pedido de Eldor, e assim que os seus companheiros o perceberam os seus olhos abriram-se furiosamente. O olhar de Rários encontrou novamente o de Eldor antes de falar e talvez a ansiedade que este continha tivesse mudado as suas intenções, pois Eldor viu nelas o raio de esperança que começara a desaparecer. – Por favor… não há nada que possam fazer? É importante… – Já te dissemos que não te podemos levar até ele. – Disse o homem de barbas negras olhando severamente para Eldor. Rários baixou os olhos em silêncio. – Preciso que me levem ao Gaio-Azul. – Apesar de Eldor ter usado o título de Denor, o seu pedido soou inadvertidamente mais como uma ordem. Sentindo que se afastara demasiado do assunto pelo qual ainda encarava os três homens, Eldor decidiu retomar o seu pedido. Precisava a todo o custo de encontrar Denor, por muito difícil que isso fosse, e os únicos homens que poderiam tornar isso verdade eram os que se encontravam à sua frente. Gaio-Azul ou não, Denor parecia-lhe ser a única pessoa em Keruvien que podia responder às questões que se continuavam a amontoar na sua mente. Só teria de convencer aqueles homens a levarem-no até um homem que um exército não conseguia encontrar. Os rostos dos três homens endureceu-se com as palavras de Rários, e os três fitavam agora Eldor com uma severidade que este esperou que as suas espadas se erguessem a qualquer momento. Aparentemente todos levavam o seu dever a sério e nenhum deles parecia gostar do que fazia, mas faziam-no de qualquer forma porque sabiam que era preciso. As suas faces endureciam com o peso do dever, e Eldor conseguia ver que cada cicatriz que marcava a sua pele era como uma assinatura do seu interminável contracto, não só com os Sombra mas principalmente com a sua cidade. Aqueles homens não eram ladrões, eram guerreiros. – Suponho que tens razão. Acho que somos mais os “melhores” ladrões. – A expressão de Eldor garantiu a Rários que não tinha percebido a piada, apesar de os outros dois homens a receberem com longas gargalhadas. – Nós roubamos a todos os que não merecem e tentamos dar àqueles que mais precisam. Os verdadeiros ladrões são os nobres, que quase todos os dias aumentam os impostos, e que deixam que a população morra à fome. Se não fosse pelo Gaio-Azul teriam morrido milhares de pessoas só neste Nargras… – Como podem lutar pela justiça roubando? Se estão a roubar já estão a cometer crimes. Correndo o risco de parecer ingénuo (mesmo que já o parecesse; Eldor cada vez mais percebia que conhecia muito pouco do mundo) Eldor decidiu expor o conflito que as palavras de Rários continham. O pior que poderia acontecer era ser ridicularizado com mais gargalhadas, algo que só por si o fazia hesitar, principalmente quando sentia que não seria capaz de conter a sua irritação por muito tempo. Os três homens entreolharam-se com divertidos sorrisos, mesmo orgulhosos, mas Eldor não compreendeu a sua felicidade. O que os Rários lhe dissera parecia ser contraditório, pois na sua perspectiva nunca se poderia lutar pela justiça através de crimes, principalmente roubando. O seu pai sempre lhe ensinara que roubar era um dos piores crimes que um homem podia cometer, quase tão grave como matar, e nunca o deveria fazer, fossem qual fossem as circunstâncias. Essa fora uma das lições que nunca mais esqueceria, principalmente quando o seu pai descobrira que ele roubara umas alfaces da quinta do senhor Halbor. A mera lembrança trouxe-lhe o ardor do pesado cinto de couro no seu rabo. – Digamos que os honrados líderes de Oleth não concordam com os nossos métodos. – Os três homens soltaram curtas gargalhadas após a forma irónica como Rários qualificou os líderes de Oleth, mas ao perceberem que Eldor inclinara ligeiramente a cabeça à espera do resto da resposta, este rapidamente satisfez a sua curiosidade. – Nós somos ladrões. Todos nós. E a forma como lutamos pela justiça e fazendo o que fazemos melhor: roubar. Rários olhou momentaneamente para os dois homens antes de responder, como se procurasse a melhor forma de responder a Eldor. Os seus companheiros apenas o olharam com divertidas expressões que Rários rapidamente emulou e lhe devolveu. – Se lutam pela justiça, porque é que o duque anda atrás do vosso líder? – Não sabes quem são os Sombra? – Eldor acenou negativamente perante a surpresa de Rários. – ‘Tás a falar a sério? – Eldor nem sequer esboçou uma resposta, apesar do seu irritado olhar responder claramente. – Os Sombra são um grupo que luta pela justiça em Oleth. O único de facto…. Atraindo novamente três incrédulos olhares, Eldor viu os seus sorrisos a apagarem-se quando Rários começou a falar. – Porque é que o querem capturar? – Eldor perguntou tentando manter a sua serena expressão. O homem de aspecto demente respondeu afirmativamente a Rários exibindo os três dentes que lhe restavam no seu longo sorriso, demasiado divertido com a ignorância de Eldor para seu gosto. O homem de barbas negras olhava-o com um longo sorriso que as encaracoladas barbas em nada conseguiam esconder, erguendo a sobrancelha esquerda perplexamente. – Não sabes quem é o Gaio-Azul? – Perguntou Rários ainda com vestígios da longa gargalhada que o obrigara a dobrar-se com o esforço. Eldor apenas acenou negativamente com a cabeça. – Bem, não sabes mesmo nada pois não miúdo? O Gaio-Azul é o homem mais procurado de Oleth. O duque está a oferecer dois mil lúpius pela sua captura, vivo ou morto, pelo menos era assim a semana passada, ‘nera Grarla? Os três homens entreolharam-se com curtos sorrisos antes de emitirem curtas risadas, que silenciaram ao perceber que Eldor os olhava com confusão. Eldor esperara fúria ou mesmo ameaçadores olhares, mas nunca zombosas risadas perante a sua ignorância. A reacção dos três homens gerou uma onda de fúria que Eldor mal conseguiu disfarçar. – Porque andam atrás dele? – Perguntou Eldor com uma picada de nervosismo ao sentir que estava a tentar descobrir mais do que lhe podiam revelar. – Ninguém fala com o Gaio-Azul para além de meia dúzia de pessoas da sua confiança. Só por causa disso é que se conseguiu manter tanto tempo em liberdade e longe de Oleth. Não sei se te consigo levar até ele… – Pela forma como Rários falava Eldor pressentiu que se dependesse dele veria Denor naquele dia. Os dois homens a seu lado voltaram a olhá-lo com surpresas expressões, mesmo algo revoltadas. – Podem-me levar até ao Denor? – Perguntou Eldor calmamente, parecendo incendiar os dois homens com a mera menção do seu nome. Rários apenas perdeu o seu curto sorriso e baixou o olhar, parecendo ponderar o seu pedido. Se dependesse dos outros homens Eldor duvidava que ele fosse concedido. Endireitando as costas e baixando os braços, Eldor olhou Rários nos olhos com serenidade. Teria de confiar no homem de olhos azul-gelo se queria encontrar Denor, e não podia continuar o resto do dia a apontar-lhe o gume da sua espada se queria a sua ajuda. Os dois homens fizeram o mesmo ao perceberem que Rários não tinha qualquer intenção de atacar Eldor, olhando agora alternadamente para os dois. Eldor recebia cautelosos olhares enquanto Rários recebia nervosos, indicando que os homens não gostavam nada da forma como a conversa estava a correr. Desde que Rários mencionara os Sombra que eles se tinham começado a comportar daquela forma, e Eldor lembrou-se que não os devia mencionar enquanto não soubesse o que significavam, mesmo que Denor estivesse ligado a estes. – Conheci o teu pai e o Denor quanto tinha mais ou menos a tua idade. Na altura tinha pouco mais que as roupas que cobriam o meu corpo, e mesmo essas pouco me valiam. Eles ajudara-me a ultrapassar um tempo mau, e é graças a eles que hoje aqui estou. – Rários terminou com um curto sorriso e um curto brilho nos olhos que Eldor tomou com nostálgica felicidade. Ele estava a dizer a verdade, e apesar de Eldor ainda duvidar que pudesse ter encontrado alguém que o podia ajudar a encontrar Denor, tinha de começar a ponderar que os deuses podiam ter-lhe dado um pouco de sorte. Mas isso também significava que ele conhecia muito pouco do passado de seu pai, e que mesmo esse poderia ter sido bem diferente do que ele imaginava. A cada segundo que passava desejava mais encontrar Denor. – Como conheces-te o meu pai? Todas as palavras que Rários pronunciava soavam sinceras, mas Eldor ainda não se tinha convencido da sua veracidade. Como era possível que se o seu pai e este Denor eram assim tão próximos ele nunca o ter mencionado? A verdade é que o seu pai lhe havia contado dezenas de histórias sobre o seu passado, mas agora que Eldor pensava nisso, tinham sido todas após ele se ter juntado ao exército. O seu pai nunca mencionara a sua infância e Eldor também nunca se lembrou de lhe fazer perguntas sobre esta, mas seria de esperar que se ele tivesse tido um amigo tão grande como Rários lhe dava a entender, lhe tivesse falado dele. Não fui soldado de Gorgoth, nem de qualquer reino desta terra… As últimas palavras de seu pai ecoaram novamente no fundo da sua mente, e Eldor deu por si a considerar novamente no que deveria acreditar. Mas então, quem foste? – Tem de ser. Eles eram inseparáveis, para onde um ia o outro seguia, apesar de normalmente ser o Denor a seguir o teu pai. Duvido que seja outra pessoa… – Como sabes que esse Denor Ulquiro é aquele que procuro? – Perguntou Eldor com desconfiança, atraindo ameaçadores olhares dos dois homens ao lado de Rários pela forma como pronunciou o “esse”. Pelos seus olhares Eldor percebeu que tinham imenso respeito por Denor, e percebeu também que não tolerariam quaisquer palavras contra ele. O que Rários dizia era aquilo que sempre lhe tinham dito quando o comparavam com o pai. Todas as pessoas que conhecera diziam que se não fossem os olhos o confundiriam com o seu pai, e este sempre lhe havia dito que ele tinha herdado os olhos e cabelos de sua mãe. Eldor começava a achar que Rários conhecia mesmo o seu pai (embora ainda não conseguisse perceber como é que isso era possível) mas mesmo assim ainda era tudo demasiado estranho. Se fosse verdade poderia ter encontrado alguém que o levaria a Denor mesmo antes de chegar a Oleth. Muito estranho. – Por tudo o que vi até agora. – Respondeu Rários com um curto sorriso ao perceber a ansiedade de Eldor. – És a cara chapada dele, com excepção dos olhos e cabelo, e tens a mesma teimosia dele. Se para além disso não fosses mais alto que ele eu diria que tu eras o Galaeth. Já não o vejo há mais de vinte anos, mas lembro-me bem dele, e tu és exactamente igual. – Como sabes que o meu pai é o Galaeth que conheces? – Perguntou Eldor severamente. A certeza na voz de Rários não acalmou minimamente os dois homens, que alternando o seu olhar entre este e Eldor mantinham as suas espadas erguidas. As palavras de Rários deixavam Eldor cada vez mais nervoso, pois para além deste afirmar coisa impossíveis começava a encher a sua mente de questões. Como é que ele pode dizer com tanta certeza que conhece o meu pai?! Se ele conhecer então é possível que este Denor Ulquiro seja quem eu ando à procura, mas sendo assim quem é este Gaio-Azul e quem são os Sombra? Eldor achava tudo aquilo demasiado improvável para ser verdade. – Tenham calma, tenho a certeza do que estou a fazer. Ele é filho do Galaeth! Que os Dorthul comam a minha alma se não for. – Tens a certeza disto Rários?! Os outros não vão ficar nada satisfeitos quando souberem disto… – Disse o homem de aspecto demente, sempre de face voltada para Rários e com um nervoso bloqueio na sua voz. A forma como quase murmurou “outros” deixou Eldor nervoso. – Rários não! Não podes… – Começou o homem de barbas negras antes de terminar abruptamente ao perceber que Eldor o olhava. A sua face endureceu de imediato assim que os seus olhos negros o encontraram. A voz de Rários abandonou os seus lábios com tranquilidade atrás do seu curto sorriso, mesmo que as faces dos outros dois homens tivessem gelado com as suas palavras. A surpresa que bloqueara os seus rostos foi subitamente substituída por frio nervosismo, antes de um enorme pânico tomar conta de si. – O homem que procuras é Denor Ulquiro, também conhecido como o “Gaio-Azul”, o líder dos Sombra. Os outros dois homens não exibiam a mesma serenidade de Rários, mas o espanto com que olhavam para ele indicava que se tinham esquecido das espadas que ainda apontavam a Eldor. Os seus olhares abriam-se com tanto espanto como o de Eldor, e as suas bocas tremiam com impronunciáveis palavras, como se as suas mentes ainda tentassem decidir como verbalizar o que as atormentava. Eldor olhou apenas de relance para eles antes de apertar o cabo da espada de seu pai com determinação e serenar a sua expressão, forçando-se a lembrar-se de onde se encontrava. Apesar das palavras de Rários continuava a ser muito improvável que este conhecesse o Denor que ele procurava, e quando se percebesse disso, os três homens muito provavelmente retomariam o seu ataque. O tempo para relaxar ainda estava muito longe. A face de Eldor exprimia o que apenas poderia ser descrito como absoluta. Os seus olhos arregalavam-se de espanto e o seu maxilar caíra sem palavras, enquanto o seu cérebro tentava processar o que tinha acabado de ouvir. Não é possível…, pensou Eldor enquanto fitava a serena expressão de Rários. A espada do homem de olhos azul-gelo descaía agora inofensivamente sobre o seu flanco direito, acompanhando um curto sorriso que curvava ligeiramente para o lado esquerdo numa expressão que Eldor só conseguia definir como amistosa. Pela forma como o encarava parecia que nunca lhe tinha tentado roubar a espada e recebido um golpe no sobrolho como resposta.
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